União e resistência negra. Marcelo Barros.
No Brasil, essa semana é marcada pela memória do martírio do
Zumbi dos Palmares no 20 de novembro de 1697 e pela comemoração dessa data que,
em todo o país, se tornou “Dia da união e consciência negra”. A comemoração
anual da memória do Zumbi é importante em um Brasil que ainda mantém a herança
de forte desigualdade social.
Atualmente, o Brasil é o país com a segunda maior população
negra do mundo (Só perde para a Nigéria). No entanto, essa população continua a
ser majoritariamente pobre e explorada. No seu livro Escravidão, Laurentino
Gomes afirma: “Negros e pardos representam 54% da população brasileira, mas sua
participação entre os 10% mais pobres é muito maior de 78%.
Na educação, enquanto 22% da população branca tem 12 anos de
estudo ou mais, a taxa é de 9, 4% para a população negra. Em 2016, o índice de
analfabetismo entre os negros era de 9, 9%, mais que o dobro do índice entre os
brancos” . Isso mostra que, na realidade brasileira, ser negro é quase sinônimo
de ser pobre e ter menos acesso à escolaridade e ás condições sociais de outros
brasileiros.
O Brasil foi o último país da América Latina a abolir
oficialmente a escravidão. No entanto, organismos da ONU reconhecem que,
atualmente, existem no mundo milhões de pessoas em situação de escravidão. Em
nosso país, há latifúndios no campo e fábricas nas periferias urbanas que
exploram pessoas como se fossem escravas.
Para que, no decorrer da história, uma tragédia como a
escravidão tenha se mantido durante tanto tempo, não bastaria a força de armas.
A escravidão não se sustentaria se, além da estrutura econômica e da força das
armas que a impunham, não houvesse uma cultura racista e discriminatória que a
legitima. Infelizmente, até hoje, essa cultura ainda persiste em certos
ambientes. Por isso, é importante lutarmos pela igualdade social e dignidade de
todas as pessoas.
A unidade das raças e a igualdade entre os seres humanos
supõe que cada cultura e cada povo tenha consciência de sua dignidade. Chama-se
“consciência negra” o fato das pessoas afro-descendentes assumirem sua
identidade cultural, conscientes do imenso valor de sua cultura, para
contribuir com as outras na riqueza intercultural do Brasil.
Por isso, é preciso lutarmos para que, no Brasil, se
mantenham ou sejam retomados os programas que fomentam a igualdade de condições
e a integração social de negros e brancos.
Conforme a Constituição Brasileira, devem ser respeitadas e
valorizadas as comunidades remanescentes de Quilombos. São grupos que, desde os
tempos da escravidão, reúnem negros, seus aliados e descendentes, em uma
comunidade com cultura e valores próprios. Eles devem ter direito à terra
coletiva e merecem das autoridades públicas a proteção e o apoio necessários.
Estas comunidades estão organizadas em quase todos os estados e somam mais de
dois mil grupos e comunidades. Algumas delas mantêm elementos de idioma, de
danças e costumes ancestrais que são de uma riqueza incalculável para todo o
Brasil.
Uma das mais profundas riquezas das culturas
afro-descendentes é a espiritualidade viva e bela das comunidades negras. A Mãe
África permanece viva e atuante na memória religiosa dos seus filhos e filhas.
Para ser escravas nos diversos países da América, foram seqüestradas pessoas de
diferentes áreas do continente africano. Apesar de todas as dificuldades e
repressões, os afrodescendentes conseguiram manter as suas línguas, contar a
seus filhos as histórias dos seus antepassados, guardar as canções da
Mãe-África e reconstituir muitas expressões culturais e religiosas. Só podiam
cultuar à noite, enquanto os brancos dormiam.
Como objetos de culto, só possuíam seus corpos, suas vozes e
os terreiros das senzalas, seus templos. Foram obrigados a adaptar antigos
costumes da África às novas condições de clima, ao pouco tempo livre de que
dispunham e à sua extrema pobreza. Fundiram costumes religiosos, adaptaram
mitos e elaboraram oralmente uma explicação religiosa do mundo e da sua
história. Esta teologia narrativa deu origem a religiões novas como o
Candomblé, o Batuque, o Tambor de Minas, a Santeria cubana e o Vodu haitiano.
Durante séculos, de geração em geração, se transmitiram ritos, cânticos e
histórias ancestrais.
Infelizmente, por todo o Brasil, se espalham fenômenos de
ataques e violências contra templos e cultos das religiões afrodescendentes. E
o mais chocante é que essas expressões de ódio e intolerância são cometidas por
cristãos que afirmam agir em nome de Jesus Cristo. É preciso deixar claro: Uma
fé cristã e uma Igreja, testemunha de que Deus é amor e inclusão, não pode
deixar de respeitar e valorizar as outras religiões e tradições espirituais. Na
história, as religiões afrodescendentes foram responsáveis pela resistência dos
nossos irmãos e irmãs negras em meio a um sofrimento intenso e continuado. Por
isso, apoiá-las e se solidarizar com elas é questão de justiça.
A base da fé cristã é que a Palavra divina se fez carne e se
revelou no meio de nós através da pessoa de Jesus de Nazaré que assumiu toda a
condição humana e todas as culturas com seus valores para revelar em tudo o que
é humano a presença divina. Nós somos chamados a continuar este caminho de
reverência amorosa e delicadeza no diálogo e na colaboração com as outras
religiões e culturas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário