"Os políticos que agora consideram degradante a prisão poderiam ter mudado o cenário penitenciário nacional. Nem que fosse em interesse próprio", escreve Debora Diniz,pesquisadora na Anis - Instituto de Bioética e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde, em artigo publicado por CartaCapital, 18-11-2016.
Segundo ela, "todos os dias, filhas anônimas choram por seus pais torturados em delegacias, abandonados em presídios, ou sem direito a tratamento médico".
Eis o artigo.
Anthony Garotinho e Sergio Cabral foram presos. Ao anúncio da prisão seguiram-se informações sobre o cardápio do jantar de Cabral e as más-condições da UPA de Bangu para a saúde de Garotinho.
Clarissa Garotinho chegou a descrever a decisão de transferência do pai como “desumana”. De Cabral, soubemos que era servido por um joalheiro particular e que, agora, come pão com manteiga no café da manhã e abundância de carboidrato no almoço e no jantar.
Da família Garotinho, acompanhamos detalhes sobre a falta de condições para cuidar de presos doentes. A cena de sua transferência do Hospital Souza Aguiar para a UPA de Bangu foi filmada, e os gritos desesperados de Clarissa Garotinho anunciavam que o pai poderia morrer pela falta de assistência.
Não é cena fácil despedir-se de um pai adoecido que parte para um presídio. Os gritos de Clarissa Garotinho pareciam sinceros; o desespero pela desumanidade dos presídios era honesto.
É assim que vivem mais de meio milhão de homens e mulheres no Brasil, o país que disputa, a depender dos critérios de classificação, o terceiro ou quarto lugar em maior número de encarceramento no mundo.
Todos os dias, filhas anônimas choram por seus pais torturados em delegacias, abandonados em presídios, ou sem direito a tratamento médico.
O presídio de Bangu tem uma UPA, uma novidade para o cenário dos presídios brasileiros, cuja assistência em saúde é feita por um médico que visita a unidade de tempos em tempos. Nas unidades femininas, a médica, quando existe, é especialista sem fronteiras – cuida de alergias a loucuras, pré-natal ou fraturas.
Clarissa Garotinho disse que a justiça deveria ser “proporcional” em suas decisões. É verdade, só não sei se o argumento se aplica à ordem de prisão ou de transferência do pai, Anthony Garotinho, mas proporcionalidade deveria ser o critério do justo para os milhares de presos no país.
Há algo de desproporcional em prender mulheres por um punhado de droga nas cavidades naturais, como dizem os juristas, e, no mesmo recinto, acomodar os que roubaram milhões dos cofres públicos.
Há muita desproporcionalidade em a multidão dos presídios ser de gente pobre e preta, e os recém-chegados brancos e da elite.
Se esses políticos roubaram mesmo, a justiça irá dizer. Mas se roubaram o tanto que dizem, eles deveriam ter sido mais prudentes: o risco da cadeia é concreto para quem rouba, então, por que não cuidaram dos presídios nem que fosse em interesse próprio?
Porque nunca se imaginaram presos seria a resposta óbvia.
Como não mudaram o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, nem mesmo por motivações egoístas, agora acompanhamos formas novas de noticiar as condições de vida nos presídios.
Saúde, cabelo ou comida não nos preocupam quando é o povo do morro preso, mas importa muito quando é gente da elite presa. Os presídios ganham suas cores de inferno quando se imagina homens da elite branca ali enclausurados.
Eu não tenho dúvidas de que os presídios brasileiros são espaços de abandono, maus tratos, desumanidade – só que o são antes da chegada de Garotinho ou Cabral, e são para centenas de milhares de anônimos sem acesso à defesa justa.
Homens e mulheres morrem por falta de acesso à saúde nos presídios brasileiros, mulheres são transferidas para o parto em condições degradantes.
Esses mesmos políticos que consideram, agora, degradante e injusta a prisão poderia ter mudado o cenário dos presídios brasileiros. Nem que fosse em interesse próprio.
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