29 setembro, 2021

“Jovens, levantem o mundo”

Mensagem do Papa para a Jornada Mundial da Juventude de 2021

A XXXVI Jornada Mundial da Juventude deste ano será celebrada em nível diocesano, pela primeira vez na solenidade de Cristo Rei, no próximo dia 21 de novembro.


“Jovens, levantem o mundo”

Caríssimos jovens! Queria mais uma vez tomar-vos pela mão para prosseguirmos juntos na peregrinação espiritual que nos leva à Jornada Mundial da Juventude em Lisboa em 2023.

No ano passado, pouco antes da pandemia se alastrar, assinei a mensagem cujo tema era “Jovem, a ti te digo, levanta-te!" (cf Lc 7,14). Em sua providência, o Senhor já nos queria preparar para o árduo desafio que estávamos prestes a enfrentar.

Em todo o mundo, teve que ser enfrentado o sofrimento pela perda de tantos entes queridos e pelo isolamento social. A emergência sanitária também impediu que vocês jovens - por natureza projetada para o exterior - saíssem para ir à escola, à universidade, ao trabalho, para se encontrar ... Vocês se depararam com situações difíceis, às quais não estavam acostumados. Aqueles que estavam menos preparados e desprovidos de apoio sentiram-se desorientados. Em muitos casos surgiram problemas familiares, como como desocupação, depressão, solidão e dependências. Sem falar no estresse acumulado, nas tensões e explosões de raiva, no aumento da violência.

Mas, graças a Deus, esse não é o único lado da moeda. Se o teste nos mostrou nossas fragilidades, também revelou nossas virtudes, entre as quais a predisposição à solidariedade. Em todas as partes do mundo, vimos muitas pessoas, incluindo muitos jovens, lutar pela vida, semear esperança, defender a liberdade e a justiça, serem artífices da paz e construtores de pontes.

Quando um jovem cai, a humanidade em certo sentido cai. Mas também é verdade que, quando um Jovem se levanta, é como se o mundo inteiro se levantasse. Caros jovens, que imensa potencialidade existe em suas mãos! Quanta força vocês carregam em seus corações!

Por isso, hoje, mais uma vez, Deus diz a cada um de vocês: "Levanta-te!". Espero de coração que essa mensagem nos ajude a nos prepararmos para tempos novos, para uma nova página na história da humanidade.

Mas não há possibilidade de recomeçar sem vocês, caros jovens. Para se levantar, o mundo precisa de sua força, de seu entusiasmo, de sua paixão. É neste sentido que, juntamente convosco, gostaria de meditar sobre a passagem dos Atos dos Apóstolos em que Jesus diz a Paulo: “levanta-te e testemunha tanto das coisas que tens visto” (cf. At 26,16).

Paulo testemunha perante o rei

O versículo a que se inspira o tema da Jornada Mundial da Juventude de 2021 foi tirado do testemunho de Paulo perante o rei Agripa, enquanto ele estava na prisão. Ele, antes inimigo e perseguidor dos cristãos, agora é julgado precisamente por sua fé em Cristo. Após cerca de vinte e cinco anos, o Apóstolo conta a sua história e o episódio fundamental do seu encontro com Cristo.

Paulo confessa que no passado havia perseguido os cristãos, até que um dia, enquanto ia para Damasco para prender alguns deles, uma luz "que excedia o esplendor do sol" envolveu-o e aos seus companheiros de viagem (cf. At 26,13), mas apenas ele ouviu "uma voz”: Jesus falou-lhe e chamou-o pelo nome.

"Saulo, Saulo!"

Vamos aprofundar esse evento juntos. Chamando-o pelo nome, o Senhor deixa claro para Saulo que ele o conhece pessoalmente. É como se lhe dissesse: "Eu sei quem você é, sei o que você está tramando, mas mesmo assim estou falando com você". Ele o chama duas vezes, em sinal de uma vocação especial e muito importante, como havia feito com Moisés (cf. Ex 3,4) e com Samuel (cf. 1Sm 3,10). Caindo ao chão, Saulo reconhece que é testemunha de uma manifestação divina, uma revelação poderosa, que o confunde, mas não o anula, pelo contrário, o chama pelo nome.

De fato, apenas um encontro pessoal e não anônimo com Cristo muda a vida. Jesus mostra que conhece bem Saulo, que "o conhece por dentro". Mesmo que Saulo seja um perseguidor, mesmo que em seu coração haja ódio pelos cristãos, Jesus sabe que isso se deve à ignorância e quer mostrar a ele a sua misericórdia. Será precisamente essa graça, esse amor imerecido e incondicional, a luz que transformará radicalmente a vida de Saulo.

"Quem és, Senhor?"

Diante dessa presença misteriosa que o chama pelo nome, Saulo pergunta: "Quem és, ó Senhor?" (Atos 26,15). Esta pergunta é extremamente importante e todos na vida, mais cedo ou mais tarde, devem fazê-la. Não basta ter ouvido falar de Cristo por outros, é necessário falar com ele pessoalmente.

Afinal, isso é orar. É falar diretamente com Jesus, mesmo que nossos corações ainda estejam desordenados, nossas mentes cheias de dúvidas ou até desprezo por Cristo e pelos cristãos. Almejo que todo jovem, do fundo do coração, venha a fazer esta pergunta: "Quem és, Senhor?".

Não podemos presumir que todos conhecem Jesus, mesmo na era da internet. A pergunta que muitas pessoas dirigem a Jesus e à Igreja é precisamente esta: "Quem és?". Em toda a história da vocação de São Paulo, é a única vez que ele fala. E à sua pergunta, o Senhor prontamente responde: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues" (ibid.).

"Eu sou Jesus, a quem tu persegues!"

Com essa resposta, o Senhor Jesus revela a Saulo um grande mistério: que ele se identifica com a Igreja, com os cristãos. Até então, Saulo não tinha visto nada de Cristo, exceto os fiéis que ele tinha encarcerado (cf. Atos 26,10), para cuja condenação à morte ele próprio havia votado (ibid.). E tinha visto como os cristãos respondem ao mal com o bem, ao ódio com o amor, aceitando as injustiças, as violências, as calúnias e as perseguições sofridas em nome de Cristo.

Então, olhando bem, Saulo de alguma forma - sem saber - encontrou Cristo: ele o havia encontrado nos cristãos! Quantas vezes já ouvimos dizer: "Jesus sim, a Igreja não", como se um pudesse ser a alternativa à outra. Não se pode conhecer Jesus se não se conhece a Igreja. Não se pode conhecer Jesus exceto pelos irmãos e irmãs de sua comunidade. Não podemos nos dizer plenamente cristãos se não vivermos a dimensão eclesial da fé.

“Resistir ao aguilhão só lhe trará dor”

Essas são as palavras que o Senhor dirige a Saulo depois que ele caiu ao chão. Mas é como se já há tempo ele falasse com ele de forma misteriosa, tentando atraí-lo para si, e Saulo estivesse resistindo.

Nosso Senhor dirige aquela mesma doce "repreensão" a cada jovem que se afasta: "Por quanto tempo você vai fugir de mim? Por que você não ouve que estou lhe chamando? Estou esperando o seu retorno”.

Como o profeta Jeremias, às vezes dizemos: "Não pensarei mais nele" (Jr 20, 9). Mas no coração de cada um há como um fogo ardente: mesmo que tentemos contê-lo, não podemos, porque é mais forte do que nós. O Senhor escolhe aquele que até o persegue, completamente hostil a ele e aos seus. Mas não existe pessoa que para Deus seja irrecuperável. Através do encontro pessoal com ele é sempre possível recomeçar. Nenhum jovem está fora do alcance da graça e da misericórdia de Deus. Para ninguém se pode dizer: é muito distante ... é tarde demais... Quantos jovens têm a paixão de se opor e ir contra a maré, mas carregam escondida em seus corações a necessidade de se empenhar, de amar com todas as suas forças, de se identificar com uma missão! Jesus, no jovem Saulo, vê exatamente isso.

Reconhecer a própria cegueira

Podemos imaginar que, antes do encontro com Cristo, Saulo estivesse em certo sentido "cheio de si", considerando-se "grande" pela sua integridade moral, pelo seu zelo, pelas suas origens, pela sua cultura. Ele certamente estava convicto de que estava certo. Mas, quando o Senhor se revela a ele, ele é "aterrado" e fica cego. De repente, ele descobre que não consegue ver, não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. Suas certezas vacilam. Em seu espírito, sente que o que o animava com tanta paixão - o zelo para eliminar os cristãos - estava completamente errado. Ele percebe que não é o detentor absoluto da verdade, aliás, que está bem longe dela. E, junto com suas certezas, também cai sua "grandeza". De repente, ele se descobre perdido, frágil, "pequeno".

Essa humildade - consciência da própria limitação - é fundamental! Aquele que pensa que sabe tudo sobre si mesmo, sobre os outros e até sobre as verdades religiosas terá dificuldade para encontrar Cristo. Saulo, tendo ficado cego, perdeu seus pontos de referência. Estando sozinho no escuro, as únicas coisas claras para ele são a luz que viu e a voz que ouviu. Que paradoxo: justamente quando alguém reconhece que está cego, começa a ver! Depois da fulguração na estrada para Damasco, Saulo preferirá ser chamado de Paulo, que significa “pequeno”. Não é um apelido ou um "nome artístico" - hoje em dia muito usado também entre as pessoas comuns: o encontro com Cristo fez com que ele se sentisse realmente assim, derrubando o muro que o impedia de se conhecer em verdade. Afirma de si mesmo: “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus” (1Cor 15, 9).

Santa Teresinha de Lisieux, como outras santas, gostava de repetir que a humildade é a verdade. Hoje em dia muitas "histórias" temperam os nossos dias, principalmente nas redes sociais, muitas vezes artisticamente construídas com set, câmeras, vários cenários. Procura-se cada vez mais o centro das atenções, orientados com competência, para mostrar aos “amigos” e seguidores uma imagem de si mesmos que por vezes não reflete a própria verdade. Cristo, luz do meio-dia, vem para nos iluminar e restaurar a nossa autenticidade, libertando-nos de toda máscara. Ele nos mostra claramente o que somos, porque nos ama como somos.

Mudar de perspectiva

A conversão de Paulo não é um voltar para trás, mas uma abrir-se para uma perspectiva totalmente nova.

De fato, continua o seu caminho para Damasco, mas não é mais o mesmo de antes, é uma pessoa diferente (cf. At 22,10). Podemos nos converter e renovar na vida cotidiana, fazendo as coisas que costumamos fazer, mas com um coração transformado e motivações diferentes. Nesse caso, Jesus pede expressamente a Paulo para ir até Damasco, para onde ele estava indo. Paulo obedece, mas agora a finalidade e a perspectiva de sua jornada mudaram radicalmente. A partir de agora, ele verá a realidade com novos olhos. Primeiro eram aqueles do perseguidor justiceiro, a partir de agora serão os olhos do discípulo testemunha. Em Damasco, Ananias o batiza e o apresenta à comunidade cristã. No silêncio e na oração, Paulo aprofundará a própria experiência e a nova identidade que o Senhor Jesus lhe deu.

Não dispersar a força e a paixão dos jovens

A atitude de Paulo diante do encontro com Jesus ressuscitado não nos é tão estranha. Quanta força e quanta paixão também vivem nos vossos corações, caros jovens! Mas se a escuridão ao seu redor e dentro de vocês, vos impede de ver corretamente, correm o risco de se perder em batalhas sem sentido, até mesmo se tornarem violentos. E, infelizmente, as primeiras vítimas serão vocês mesmos e as pessoas mais próximas de vocês. Há também o perigo de lutar por causas que na origem defendiam valores justos, mas que, levadas à exasperação, se transformam em ideologias destrutivas. Quantos jovens hoje, talvez movidos por suas próprias convicções políticas ou religiosas, acabam se tornando instrumentos de violência e destruição na vida de muitos! Alguns, nativos digitais, encontram o novo campo de batalha no ambiente virtual e nas redes sociais, recorrendo sem escrúpulos à arma das fake news para espalhar venenos e demolir seus adversários.

Quando o Senhor irrompe na vida de Paulo, não anula a sua personalidade, ele não cancela o seu zelo e sua paixão, mas coloca em ato essas suas qualidades para torná-lo o grande evangelizador até os confins da terra.

Apóstolo dos gentios

Paulo será mais tarde conhecido como "o apóstolo dos gentios": ele, que tinha sido um fariseu escrupuloso observante da Lei! Aqui está outro paradoxo: o Senhor deposita sua confiança justamente naquele o perseguia. Como Paulo, cada um de nós pode sentir no fundo do coração, esta voz que lhe diz: “Eu confio em você. Conheço sua história e a tomo em minhas mãos, junto com você. Mesmo que muitas vezes tenha estado contra mim, eu o escolho e o torno minha testemunha”. A lógica divina pode fazer do pior perseguidor uma grande testemunha.

O discípulo de Cristo é chamado a ser "a luz do mundo" (Mt 5,14). Paulo deve testemunhar o que viu, mas agora ele está cego. Estamos de volta ao paradoxo! Mas, justamente por meio dessa experiência pessoal, Paulo poderá se identificar com aqueles a quem o Senhor o envia. De fato, ele se torna testemunha "para abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz” (At 26,18).

"Levanta-te e testemunha!"

Ao abraçar a nova vida que nos é dada no Batismo, recebemos também uma missão do Senhor: “Serás minha testemunha!”. É uma missão à qual se dedicar, que muda a vida.

Hoje o convite de Cristo a Paulo dirige-se a cada um e cada uma de vocês, jovens: Levanta-te! Não podes ficar no chão e "sentir pena de ti mesmo", há uma missão que te espera! Também podes ser testemunha das obras que Jesus começou a realizar em ti. Por isso, em nome de Cristo, digo-te:

– Levanta-te e testemunha a tua experiência de cego que encontrou a luz, viu o bem e a beleza de Deus em si mesmo, nos outros e na comunhão da Igreja que vence toda a solidão.

– Levanta-te e testemunha o amor e o respeito que se pode instaurar nas relações humanas, na vida familiar, no diálogo entre pais e filhos, entre jovens e idosos.

– Levanta-te e defende a justiça social, a verdade e a retidão, os direitos humanos, os perseguidos, os pobres e os vulneráveis, aqueles que não têm voz na sociedade, os imigrantes.

– Levante-se e testemunha o novo olhar que te faz ver a criação com olhos maravilhados, te faz reconhecer a Terra como a nossa casa comum e te dá a coragem para defender a ecologia integral.

– Levanta-te e testemunha que vidas fracassadas podem ser reconstruídas, que pessoas já mortas no espírito podem ressuscitar, que pessoas escravizadas podem se tornar livres novamente, que os corações oprimidos pela tristeza podem encontrar a esperança.

– Levante-se e testemunha com alegria que Cristo vive! Divulga a sua mensagem de amor e salvação entre teus colegas, na escola, na faculdade, no trabalho, no mundo digital, em qualquer lugar. O Senhor, a Igreja, o Papa confiam em vocês e os tornam testemunhas em relação a tantos outros jovens que encontram nas “estradas para Damasco” do nosso tempo. Não se esqueçam: “se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus (Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 120).

Levantem-se e celebrem a JMJ nas Igrejas particulares!

Renovo a todos vocês, jovens do mundo, o convite a participar nesta peregrinação espiritual que nos levará a celebrar a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa em 2023. O próximo encontro, porém, é nas vossas Igrejas particulares, nas diversas dioceses e eparquias do mundo, onde, na solenidade de Cristo Rei, se celebrará – em nível local - a Jornada Mundial da Juventude de 2021. Espero que todos nós possamos viver estas etapas como verdadeiros peregrinos e não como "turistas da fé"! Abramo-nos às surpresas de Deus, que quer deixar a sua luz resplendecer no nosso caminho. Abramo-nos para escutar sua voz, também através de nossos irmãos e nossas irmãs.

Assim nos ajudaremos uns aos outros a nos levantarmos juntos, e neste momento histórico difícil nos tornaremos profetas de novos tempos, cheios de esperança! A Beata Virgem Maria interceda por nós.


Francisco.


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A mensagem do Papa Francisco para a Jornada Mundial da Juventude de 2021 foi publicada por Avvenire, 28-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

Fonte: IHU

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