23 outubro, 2018

Discurso de 'eliminar adversário' deveria deixar país alerta, dizem estudiosos de genocídios


Discurso de 'eliminar adversário' deveria deixar país alerta, dizem estudiosos de genocídios

No último domingo (21), diante de uma multidão na avenida Paulista, o candidato à Presidência da República,Jair Bolsonaro (PSL), falou por meio de um telão seus planos para parte da oposição, caso eleito. 


"Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria", disse. Pouco antes, o capitão da reserva havia falado também em limpeza: "A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora, ou vão pra cadeia".

A 10 mil quilômetros dali, em Sarajevo, o pesquisador bósnio Hikmet Karcic disse que o tom do discurso merece "preocupação" e deveria ser um "sinal de alerta". Estudioso de genocídios como o que matou milhares há 23 anos em Srebrenica, no leste da Bósnia, Karcic afirma que esse tipo de fala deveria ser motivo de "alerta vermelho".

"Nenhum país ou povo do mundo está a salvo do risco do genocídio."

Para Karcic, a ameaça "começa com um discurso, vai para uma política de Estado e pode virar uma atrocidade. Não podemos subestimar o risco da violência", disse ao UOL, por telefone.

Além do Holocausto, que matou milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, a humanidade assistiu a outros episódios de eliminação sistematizada de "adversários" nos últimos 30 anos: em 1995, ao menos 8.000 bósnios foram mortos no massacre de Srebrenica; e um ano antes, entre 500 mil e 1 milhão foram mortos em Ruanda, na África.

Para Karcic, apesar das muitas diferenças entre o cenário da sociedade bósnia dos anos 1990 e do Brasil de 2018, há sinais que, em qualquer sociedade, não devem ser ignorados. São eles: 

Criação de "etiquetas" para os cidadãos: como a de cidadãos "de bem" versus outros; pertencentes à etnia hutu contra tutsis, em Ruanda; ou, no caso da Bósnia, sérvios, bósnios e croatas --todos contra todos; 

Fim de vínculos sociais: "amigos, vizinhos ou familiares estão deixando de se falar por causa dessas divisões? Isso é muito grave", diz Karcic;

Discurso envolvendo "limpeza" ou "eliminação" do adversário: "Nós éramos uma sociedade em que as pessoas conviviam e ninguém sabia ao certo quem era o quê. Não importava. Mas em pouco tempo isso mudou: com propaganda e medo, começou o ódio, aconteceu o massacre e as pessoas acharam normal. O terreno havia sido preparado para isso", resume Karcic, que defendeu seu doutorado sobre "Campos de detenção como uma ferramenta para limpeza étnico-religiosa de não sérvios na Bósnia". 

Eliminação como política de Estado
Um dos episódios mais cruéis da tragédia bósnia ocorreu há 23 anos. Em julho de 1995, no coração da Europa e sob os olhos da comunidade internacional, homens armados invadiram a pequena cidade de Srebrenica e mataram mais de 8.000...Continue lendo....
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