Pe.
Alfredo J. Gonçalves, CS
Quinta-feira, 25 de Julho de 2013. Casa
81, Bairro Varginha, Rio de Janeiro, Brasil. Passa a caravana do Papa que
visita a cidade para a V Jornada Mundial da Juventude. Inesperadamente, o
pastor se detém e entra naquela humilde moradia. Como não lembrar os passos de
Jesus, relatados pelos quatro evangelistas ! Nestes, a caravana de Jesus,
como sabemos, jamais atropelava uma dor ou um grito de socorro. Ao menor sinal
de sofrimento, Jesus se detinha, não raro enfrentando a resistência dos
pròprios apòstolos. Para o Mestre, mais do que a confissão religiosa ou o
cumprimento da lei, a necessidade do pobre convertia-se em parada obrigatòria.
Prevalecia o primado da acolhida, da justiça e do direito, da misericòrdia e da
compaixão para com as « multidões cansadas e abatidas » (Mt 9,
35-38).
Na Casa 81, como nas demais habitações
ao redor, quem sabe quantos dramas, quantas tensões e quanto sofrimento habitam
aquele espaço restrito, reservado e familiar ! Quem sabe quantos problemas
relativos ao trabalho, à habitação, à saùde, à educação, ao transporte, à
segurança !... Quem sabe, também, quantas « alegrias e esperanças,
tristezas e angùstias », quantas dores e temores, lutas, fracassos e
vitòrias abrigam aquela simples casa ! Ou ainda, quantos sonhos e
esperanças ali nasceram, cresceram, morreram ou se realizaram ! Nessa,
como nas casas vizinhas e em centenas de bairros periféricos do Rio, bem como das
outras capitais e de todo o Brasil, os embates do cotidiano se desenrolam, misturando
risos e làgrimas, sonhos e lutas, correria e inquietações.
Sim, uma casa como milhões de outras.
Pobre, sim, mas talvez rica de vida e alegria, festa e entusiasmo, como poucos
palàcios suntuosos ; talvez dilacerada por divisões e conflitos
familiares, doença, desemprego e pobreza, mas aberta à hospitalidade de quem
necessita, como poucas mansões de alto luxo ; talvez sem saber se terà pão
à mesa no dia seguinte, mas sempre pronta à solidariedade com o pròximo, como
poucas familias milionàrias. Uma casa onde é mais duro o combate pela
sobrevivência, certamente, mas onde em geral o afeto cimenta as relações
humanas de forma mais sòlida, transparente e duradoura.
Bem ali, o Papa Francisco se detém e
entra na humilde casa, visita aquela familia até então desconhecida. Abraça e
beija as pessoas, ouve e fala com grande atenção, enche o espaço com seu
sorriso largo e seu coração em festa no meio da multidão. Um pastor que conhece
o seu povo, da mesma forma que este também o vem conhecendo sempre mais, na sua
grandeza de alma e simplicidade de gestos. Além de Jesus, impossìvel não
lembrar o pobre de Assis, do qual o pontìfice escolheu não somente o nome, mas
também o louvor a Deus através de uma alegria contagiante, cheia de fé, confiança
e entusiasmo juvenil e inebriante.
O gesto do Papa traz de volta a saudosa
lembrança do chamado « trabalho de formiguinha » ou « trabalho
de base » na pastoral de conjunto de décqdqs passadas. Visita às familias
mais necessitadas, presença nos porões e nas periferias da sociedade, contato
vivo com as pessoas em seu ambiente - pràtica muito utilizada nas missões
populares e na evangelização dos lugares mais afastados. Visita que marca,
conforta e deixa marcas de esperança e de paz… Mas de forma particular atitude
que, uma vez mais, remonta à pràtica pastoral do profeta itinerante de Nazaré.
A Boa Nova de Jesus Cristo é proclamada muito mais pelas ruas e aldeias do que
no templo. Muito mais entre pescadores, camponeses, povo de rua, gente
indefesa, doente e marginalizada do que entre os fariseus, escribas e saduceus.
Basta conferir a paràbola do Bom Samaritano (Lc 10,13-35).
Muitas vezes o interior de cada familia
esconde « pequenos infernos » de sofrimento humano. Feridas vivas que
custam a cicatrizar. Basta olhar para o interior de nossa propria casa. Quantas
chagas abertas, quantas màgoas, quantos laços rompidos ! A presença de um
representante de Deus em meio a esse sofrimento torna-se uma grande
benção : um sacerdote, um religioso ou religiosa, um missionàrio ou
missionària, um agente pastoral… Queiram ou não, do ponto de vista da fé
popular, essas pessoas ligadas à Igreja,
ou que em nome desta percorrem bairros e ruas, são protagonistas da Boa Nova de
Jesus Cristo. O simples fato de entrar numa casa, onde às vezes reina a divisão
e o rancor, o alcool, a droga e a violência, é como reafirmar que Deus não
abandona aquelas pessoas. O Pai de Jesus jamais fecha a porta a quem bate,
jamais vira o rosto a quem o procura. Reza-se no Credo que Jesus « desceu
aos infernos » para arrancar-nos daì e elevar-nos ao céu do seu Reino.
Semelhante presença se concretiza num
olhar de misericordioso, num ouvido atento e compreensivo, numa palavra de
conforto e de paz, num toque de força e alento, num braço estendido, num
sorriso de fé e esperança. Eis uma verdadeira forma de evangelização. Quando
tudo isso vem reforçado pela visita do Pontifice da Igreja, evidente que se
reforça, ao mesmo tempo, a « opção preferencial pelos pobres », como
também a missão continental, grande compromisso com o Documento de Aparecida,
da V Conferëncia do Episcopado Latino-amaricano e Caribenho.
Essa visita ao Rio de Janeiro, para o
encontro com os jovens, representa oxigênio renovado numa Igreja que vem dando
sinais de asfixia. Promessa de mudanças nas atitudes e nas relações. Vassoura
nova para retirar o mofo dos cantos frios e obscuros, labirìnticos, de não
poucos setores da Igreja; para limpar o lixo acumulado sob o tapete ou o verniz
da diplomacia ritualista e da hipocrisia formal ; para remover as teias de
aranha que impedem relações abertas e saudàveis e, ao esmo tempo, a partir do
pròprio Evangelho, tecem vias tortuosas e distorcidas. Oxalà estejamos diante dos primeiros raios de
uma nova aurora ou das flores de uma nova e vicejante primavera.
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