A vida verdadeira - Thiago de Mello
Pois
aqui está a minha vida. Pronta para ser usada.
Vida
que não guarda nem se esquiva, assustada.
Vida
sempre a serviço da vida. Para servir ao que vale a pena e o preço do amor
Ainda
que o gesto me doa Não encolho a mão: avanço Levando um ramo de Sol Mesmo
enrolada de pó Dentro da noite mais fria A vida que vai comigo É fogo: está
sempre acesa
Vem
da terra dos barrancos o jeito doce e violento da minha vida:
esse
gosto da água negra transparente.
A
vida vai no meu peito, mas é quem vai me levando: tição ardente velando,
girassol
na escuridão.
Carrego
um grito que cresce Cada vez mais na garganta,
cravando
seu travo triste na verdade do meu canto.
Canto
molhado e barrento de menino do Amazonas
que
viu a vida crescer nos centro da terra firme.
Que
sabe a vinda da chuva pelo estremecer dos verdes e sabe ler os recados que chegam na asa do
vento. Mas sabe também o tempo da febre
e o gosto da fome.
Nas
águas da minha infância perdi o medo entre os rebojos. Por isso avanço cantando
Estou
no centro do rio estou no meio da praça. Piso firme no meu chão sei que estou
no meu lugar, como a panela no fogo e a estrela na escuridão.
O
que passou não conta ?, indagarão as bocas desprovidas. Não deixa de valer
nunca. que passou ensina com sua garra e seu mel.
Por
isso é que agora vou assim no meu caminho. Publicamente andando Não, não tenho
caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar.
Aprendi
(o que o caminho me ensinou) a caminhar cantando como convém
a mim e aos vão comigo. Pois já não vou mais
sozinho.
Aqui
tenho a minha vida: feita à imagem do menino que continua varando os campos
gerais e que reparte o seu canto como o seu avô repartia o cacau e fazia
da
colheita uma ilha do bom socorro.
Feita
à imagem do menino mas a semelhança do homem: com tudo que ele tem de primavera
de valente esperança e rebeldia.
Vida,
casa encantada, onde eu moro e mora em mim, te quero assim verdadeira cheirando
a manga e jasmim. Que me sejas deslumbrada como ternura de moça rolando sobre o
capim.
Vida,
toalha limpa vida posta na mesa, vida brasa vigilante vida pedra e espuma
alçapão de amapolas, sol dentro do mar, estrume e rosa do amor: a vida.
Há
que merecê-la.
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