18 agosto, 2020

Ofertório - Milton Nascimento


Ofertório 
Milton Nascimento 



(Recitado) 

Na cuia das mãos 

trazemos o vinho e o pão, 

a luta e a fé dos irmãos, 

que o Corpo e o Sangue do Cristo serão. 


(Recitado) 

O ouro do Milho 

e não o dos Templos, 

o sangue da Cana 

e não dos Engenhos, 

o pranto do Vinho 

no sangue dos Negros, 

o Pão da Partilha 

dos Pobres Libertos. 


(Recitado) 

Trazemos no corpo 

o mel do suor, 

trazemos nos olhos 

a dança da vida, 

trazemos na luta, 

a Morte vencida. 

No peito marcado 

trazemos o Amor. 

Na Páscoa do Filho, 

a Páscoa dos filhos 

recebe, Senhor. 


(Coro-Cantado) 

Trazemos nos olhos, 

as águas dos rios, 

o brilho dos peixes, 

a sombra da mata, 

o orvalho da noite, 

o espanto da caça, 

a dança dos ventos, 

a lua de prata, 

trazemos nos olhos 

o mundo, Senhor! 


(Recitado) 

-Na palma das mâos trazemos o milho, 

a cana cortada, o branco algodão, 

o fumo-resgate, a pinga-refúgio, 

da carne da terra moldamos os potes 

que guardam a água, a flor de alecrim, 

no cheiro de incenso, erguemos o fruto 

do nosso trabalho, Senhor! Olorum! 


(Coro-Cantado) 

O som do atabaque 

marcando a cadência 

dos negros batuques 

nas noites imensas 

da Africa negra, 

da negra Bahia, 

das Minas Gerais, 

os surdos lamentos, 

calados tormentos, 

acolhe Olorum! 


(Recitado) 

-Com a força dos bracos lavramos a terra 

cortamos a cana, amarga doçura 

na mesa dos brancos. 


- Com a força dos braços cavamos a terra, 

colhemos o ouro que hoje recobre 

a igreja dos brancos. 


-Com a força dos braços plantamos na terra, 

o negro café, perene alimento 

do lucro dos brancos. 


-Com a força dos braços, o grito entre os dentes, 

a alma em pedaços, erguemos impérios, 

fizemos a América dos filhos dos brancos! 


(Coro-Cantado) 

A brasa dos ferros lavrou-nos na pele, 

lavrou-nos na alma, caminhos de cruz. 

Recusa Olorum o grito, as correntes 

e a voz do feitor, recebe o lamento, 

acolhe a revolta dos negros, Senhor! 


(Recitado) 

-Trazemos no peito 

os santos rosários, 

rosários de penas, 

rosários de fé 

na vida liberta, 

na paz dos quilombos 

de negros e brancos 

vermelhos no sangue. 

A Nova Aruanda 

dos filhos do Povo 

acolhe, Olorum! 


(Recitado) 

Recebe, Senhor 

a cabeça cortada 

do Negro Zumbi, 

guerreiro do Povo, 

irmão dos rebeldes 

nascidos aqui, 

do fundo das veias, 

do fundo da raça, 

o pranto dos negros, 

acolhe Senhor! 


(Coro-Cantado) 

Os pés tolerados na roda de samba, 

o corpo domado nos ternos do congo, 

inventam na sombra a nova cadência, 

rompendo cadeias, forçando caminhos, 

ensaiam libertos a marcha do Povo, 

a festa dos negros, acolhe Olorum!

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