"Chegou a hora de pensar no solo como um recurso vital e não infinito, no qual todos nos identificamos", escreve Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (Giunti e Slow Food Editore), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre a "ecologia integral” e o destino do planeta, em artigo publicado por La Repubblica, 05-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Hoje, 5 de dezembro, é o dia mundial do solo. Instituído oficialmente pela FAO em 2014, esta celebração está ligada à necessidade urgente de sensibilizar o grande público (e não só) para a questão crucial da proteção do solo, um bem comum que não é protegido e cada vez mais depredado pela ação humana.
Em 1943, num de seus contos mais famosos, Antoine de Saint-Exupéry ensinou-nos que “o essencial é invisível aos olhos”. Bem, acontece que quando se trata de solo é exatamente assim. A infinita biodiversidade que vive no solo, da qual o homem conhece apenas 1% e que é o húmus indispensável para o bom funcionamento do nosso ecossistema, não é visível ao olho humano. Um olho já míope por si só, que não é mais capaz de observar com atenção nem mesmo o que é evidente, quanto mais compreender a importância do que é imperceptível!
No momento histórico que estamos atravessando, porém, é preciso fazer um esforço e nos libertar da cegueira que está nos conduzindo, nem tão lentamente, para o abismo. É fundamental e indispensável, para a existência da nossa própria espécie, tornar visível o invisível e voltar ao essencial: compreender que não há futuro sem solo vivo, e não há vida sobre (e na) Terra sem biodiversidade.
É preciso dizer, porém, que depois de anos em que repetidamente, como um mantra, me vi denunciando o crime irreversível de consumo do solo, algo finalmente se move. Pelo menos a nível europeu, a atenção sobre essas questões está crescendo e fico feliz em ver que a própria FAO dedicou mais dias este ano à reflexão sobre o tema, apresentando, entre outras coisas, o primeiro relatório sobre a biodiversidade do solo. Pequenos passos, mas importantes para alcançar aquela “sustentabilidade” que todos almejamos e da qual muitos enchem a boca.
Na verdade, o uso invasivo do termo “sustentável” é uma das questões a ser demolida para tornar a transição ecológica realmente possível. Vamos ser claros, não há dúvida de que a sustentabilidade é um valor absoluto. Mas, neste momento histórico, parece mais oportuno falar em “regeneração”, principalmente para o solo.
Regenerar, de fato, significa mudar o paradigma: passar de uma lógica extrativista - na agricultura, mas em geral no sistema produtivo - para uma lógica participativa. É chegada a hora de participar, de ser corresponsáveis pelo bem-estar do que nos rodeia; também e acima de tudo aquele da Terra.
De fato, essa batalha não diz respeito apenas aos agricultores, nem apenas aos políticos, muito menos os cientistas que se preocupam com a defesa do solo. É uma batalha que diz respeito a todos! Ninguém deve, nem pode recuar. Por isso, o trabalho que terá de ser feito nestes anos será o de criar alianças: uma questão que não é apenas de método, mas de substância.
É hora de fazer dialogar a ciência, aliada indispensável nessa caminhada, com os saberes tradicionais, muitas vezes guardados pelos pequenos e médios produtores.
É hora de fazer a esfera produtiva falar com aquela dos cidadãos consumidores. Para que mesmo estes últimos possam apoiar com suas compras processos virtuosos na esfera agrícola. Se não aproveitarmos essa oportunidade extraordinária e não criarmos um elo entre ciência, pequena produção e cidadãos, a batalha do solo já estará em grande parte perdida.
Se é verdade, de fato, que a Terra é nossa mãe, consequentemente todos nós temos uma tarefa de fraternidade universal que não pode deixar de levar em conta o estreito vínculo que existe entre todos nós.
Por tempo demais deixamos a saúde do solo nas mãos da lógica especulativa, de puro e exclusivo business. Chegou a hora de pensar no solo como um recurso vital e não infinito, no qual todos nos identificamos.
É aqui, então, que o termo regenerar toma consciência: há regeneração, de fato, somente se todos nós nos movermos juntos na mesma direção.
Fonte: IHU
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